Conta-nos o itan mais famoso de Obaluaê, em uma de suas versões, que Nanã estava ávida para gerar um filho. Dessa forma, para realizar seu intento, enfeitiçou Oxalá para que este se deitasse com ela e pudesse engravidá-la, realizando seu desejo. Ocorreu, porém, que sua mironga não passou desapercebida durante a concepção e Nanã, ao dar a luz ao filho gerado, se deparou com um bebê coberto por chagas e feridas repugnantes. Arrependida, resolveu abandoná-lo na beira da praia, local onde Yemanjá posteriormente o encontrou. Compadecida e maternal, a Sereia cuidou do garoto até que Obaluaê crescesse.
Um belo dia, em uma festa onde todos os orixás se encontravam presentes, Ogum notou que Obaluaê apenas espreitava as festividades pelo lado de fora, envergonhado de sua aparência doente e purulenta. O cavaleiro, então penalizado pelo isolamento do orixá, vai buscar palhas para cobrir seu corpo. Obaluae aceita então participar da dança dos orixás com a condição de as palhas esconderem seu real aspecto, conseguindo assim entrar no baile. Todos os orixás sabiam de sua condição, de modo que também não se aproximavam, com exceção de uma Yabá.
Iansã, Senhora dos Ventos e muito impetuosa, ao compreender o que se passava, tirou o orixá para dançar e o colocou no meio de um vendaval, fazendo com que todas as palhas que cobriam seu corpo voassem pelo salão e suas feridas se descolassem de seu corpo, transformando-as em pipocas que caíam por cima de todos.
Ao ficar descoberto e totalmente curado de sua condição, descobriu-se por fim que Obaluaê era extremamente bonito e encantador, sendo, na verdade, o mais bonito de todos os orixás. Em sua infinita humildade, Obaluaê recolheu novamente suas palhas para se recobrir, escondendo sua beleza do mundo para ser reconhecido apenas como curador.
A lenda de Obaluaê é uma das mais bonitas lições que os orixás vêm nos ensinar e está recheada de alusões. A atitude inicial de Nanã e o nascimento de seu filho doente já nos demonstra que toda ação kármica gera um fruto podre, assim como sua atitude egoísta gerou um bebê doente. Ela ainda representa, nesse itan, nosso aspecto psicológico de rejeição das nossas sombras e das consequências dos nossos plantios como seres que resolvem, por vezes, rejeitar a maternidade de tudo aquilo que fizemos e acreditamos ser feio. Isso não significa, no entanto, que tudo está perdido. Não à toa, Nanã abandona seu filho na beira do mar, isso é, aos pés da Mãe Divina, que sabe cuidar de aspectos que nós ainda não temos nem condição de aceitar. Também, não é por acaso que Obaluaê se deixa ser visto por Ogum, o vencedor de todas as demandas. Em sua imensa misericórdia, ele o coloca próximo aos orixás sem que haja uma exposição dolorosa de seus defeitos ou humilhação, nos ensinando que o intuito do Pai Divino, nesse momento em forma de Ogum, não é nos ridicularizar mas, sim, nos acolher e nos aceitar do modo que nos apresentamos, ainda que no baile todos soubessem do real motivo que escondia Obaluae debaixo das palhas. Quantas vezes nós também nos apresentamos no bailado da vida com máscaras para esconder quem verdadeiramente somos? Inicialmente, esse é o sentido das palhas que mais tarde se tornarão a caracteristica física mais conhecida do orixá.
Iansã, por sua vez, aparece aqui como mais um aspecto da Mãe Divina, dessa vez como vendaval de Axé, sendo como o caminhar espiritual que pode, por vezes, expor nossas falhas e defeitos e derrubar nossas máscaras mas que, ao final, existe para revelar nossa verdadeira beleza e nos trazer a mais completa cura. A atitude final de Obaluaê revela o mais alto grau de iluminação do curador, aquele que abre mão de seu ego para exercer compaixão perante às chagas alheias. As palhas aqui representam agora a humildade de quem alcançou uma compreensão plena de sua missão enquanto médico espiritual. Por sua humildade, está diretamente ligado à linha de pretos velhos dentro da umbanda, conhecidos por serem também exímios curadores e seres de muita luz e alto grau de evolução. As pipocas, por fim, nos remetem ao processo de transformação revelado pelo fogo, que gera a pipoca através do estouro do milho, assim como a doença gera cura e a dor vira luz pelo fogo divino.
Dentro do polimatismo, Obaluae pode, em sua vibração, trabalhar em tudo aquilo que se considera doença e precisa do reestabelecimento de um estado curado. Mas, afinal, o que é cura e saúde? Existem inúmeros conceitos diferentes do que são essas condições. Para os pajés, por exemplo, toda doença é um espírito e, para curar, é necessário tirar esse espírito. Para a ayurveda, a medicina indiana tradicional, a ausência de doenças ainda não é significado de saúde, necessitando que haja algo além disso, como equilibrio, bem estar e até mesmo fé e conexão espiritual. A OMS também entende dessa forma, trazendo esse conceito como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade."
Sendo assim, podemos buscar dentro da nossa evolução, com o auxílio misericordioso de Obaluaê em sua simplicidade e humildade, a cura de nossas doenças e o reestabelecimento de nossa saúde e todas as nuances que esse estado engloba. Para isso, faz-se necessário ir muito além da compreensão de cura como mera questão de retirada de causas e sintomas. A vibração desse orixá pode nos auxiliar no reestabelecimento da saúde como um estado natural de equílbrio e bem viver através da superação das nossas limitações egóicas para que as doenças não surjam e também não retornem.
Atotô!!
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Ritual de Louvor aos Orixás / Obaluê -Templo Polimata Jundiaí
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